segunda-feira, outubro 02, 2006


TST não reconhece vínculo de emprego de diarista


A Primeira Turma do Tribunal Superior do Trabalho não reconheceu o vínculo de emprego de diarista que trabalhava na faxina, duas vezes por semana, em casa de família. A empregada ajuizou reclamação trabalhista contra a patroa alegando que fora contratada em março de 1993 para realizar todo o serviço doméstico, duas vezes na semana, com salário semanal de R$ 65,00, sendo demitida sem justa causa em abril de 2000.
Disse que não teve sua Carteira de Trabalho assinada e requereu o pagamento de aviso-prévio, férias acrescidas de 1/3, 13º salário, multa do artigo 477 (por atraso no pagamento das verbas rescisórias) e depósito dos valores correspondentes ao INSS de todo o tempo trabalhado.
A dona de casa, em contestação, negou o vínculo de emprego alegando que a autora da ação prestou-lhe serviços exclusivamente de faxina, sendo que algumas vezes trabalhava dois dias na semana, e, em outras semanas, trabalhava apenas um dia, sem limitação de horário e sem dias fixos.
Alegou ainda, que nem sempre o serviço era realizado pela autora da ação, pois por várias vezes ela teria mandado a filha trabalhar em seu lugar. A 25a Vara do Trabalho de Porto Alegre julgou improcedentes os pedidos formulados pela empregada que, insatisfeita, recorreu ao Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (Rio Grande do Sul). O acórdão regional reconheceu a existência de vínculo de emprego entre as partes, determinando o retorno dos autos à primeira instância para julgar os pedidos da inicial.
A patroa, por sua vez, apresentou recurso de revista ao TST. O relator do processo, ministro João Oreste Dalazen, deu provimento ao recurso. Segundo seu voto, a existência de continuidade e pessoalidade na prestação do serviço são requisitos necessários para a configuração do vínculo de emprego.
A continuidade do serviço é requisito previsto na Lei n° 5.859/72, que estabelece que “empregado doméstico é quem presta serviços de natureza contínua e de finalidade não lucrativa à pessoa ou à família, no âmbito de sua residência”. (RR-78066/2003-900-04-00.8)
fonte: TST - notícias - www.tst.gov.br acesso em 02 de outubro de 2006
Fabricante do pão Firenze é condenado por ter quebrado dente de consumidora

O fabricante do pão Firenze, São Francisco de São Gonçalo Comércio e Indústria de Panificados, foi condenado pela Turma Recursal Extraordinária do Rio a indenizar em R$ 7.833,29, a assistente social Maria Helena de Franco Jangutta. Ela comprou um pacote de pão integral na Sendas de Vila Isabel em fevereiro de 2005 e, quando mordeu uma das fatias, quebrou o dente com um pedaço de ferro que estava dentro do alimento. Do total da indenização prevista, R$ 833,29 são referentes a danos materiais, valor que a consumidora gastou no tratamento dentário, e R$ 7.000, a danos morais. A decisão foi unânime.

Após conversar com uma funcionária da empresa ré, a assistente social foi visitada por um representante da marca Firenze, que a "presenteou" com três pacotes de pão de forma em troca do objeto que causou a quebra do seu dente. Diante da negativa de Maria Helena, o próprio gerente da empresa São Francisco de São Gonçalo Comércio e Indústria de Panificados a procurou e ela mais uma vez negou os pedidos, afirmando que queria a indenização pelo menos do tratamento dentário. O gerente, por sua vez, disse que se a autora não estava disposta a aceitar a oferta, que procurasse seus direitos na Justiça.

A relatora do processo, a juíza Neuza Regina Larsen de Alvarenga Leite, enfatizou que os elementos de responsabilidade civil ficaram comprovados pelos documentos juntados aos autos. "Após análise dos autos processuais, verificou-se que os fatos narrados pela autora efetivamente ocorreram. Sendo assim, voto dando provimento ao recurso da autora", finalizou a magistrada.

terça-feira, setembro 05, 2006

Perfil: Orkut

Acesso em 04 de setembro de 2006.
Carolina de Aguiar Teixeira Mendes - advogada em São Paulo, diretora da ONG Council of Advocates International, com sede no Canadá
A comunidade Orkut
Orkut Buyukkokten nasceu em 06/02/1976, na Turquia. Este engenheiro de computação trabalhava para a empresa Google (), que permitia aos seus funcionários livremente dispender vinte por cento do tempo em projetos pessoais, sendo isso política da empresa para estimular a criatividade. Foi assim que, discreta e constantemente, o engenheiro desenvolveu o que hoje é considerado o maior banco de dados do mundo: o "Orkut".

No início de tal criação, apenas empregados da Google – incluindo o próprio Orkut – participavam da rede que, aos poucos, abriu-se ao público. Só convidados podem participar, porém o website hoje já conta com mais de seis milhões de membros. [01]

Apesar da origem norte-americana, o site virou mania nacional no maior país da América do Sul. Orkut Buyukkokten não entende o porquê da maioria dos membros serem brasileiros (75%, segundo a Revista Exame [02]): "Talvez seja cultural, tenha a ver com a personalidade de vocês, que são conhecidos como um povo amigável. Pode ser devido à própria característica do mecanismo de entrada no site (só pode se cadastrar quem receber um convite de um dos cadastrados). Eu tenho alguns amigos que têm alguns amigos brasileiros, e assim foi se espalhando, o que era mesmo a minha idéia desde o início." [03]

Afiliado ao Google, o serviço possibilita a cada usuário ter sua própria página onde estará descrito o seu perfil contendo dados pessoais como nome completo, idade, cidade de origem, números de telefone, endereço eletrônico, preferências e afins. É possível adicionar à lista de amigos todos os conhecidos encontrados através de amigos de amigos ou por simples sistema de busca.

Falar em privacidade quando se trata de Orkut é uma aberração, já que quem aceita os termos de inclusão diz estar de acordo com o fato de que a empresa passa a ser proprietária de tudo o que ali for publicado. E os membros, em geral, não querem privacidade; eles querem mesmo é aparecer, ver quem tem mais amigos na lista, quem é amigo de quem, e assim por diante. O "barato" é navegar nos perfis de outros.

O site ainda oferece a opção de envio de mensagens de texto pessoais chamadas scraps, além dos testimonials nos quais são escritas declarações de amizade, ambos "prato cheio" para os que gostam de bisbilhotar a vida alheia.

Além disso, existem as comunidades, nada mais que grupos formados pelos membros do Orkut unidos por um interesse em comum.

Com tanta informação específica sobre cada membro, muitos big brothers de plantão estão fazendo a festa. E haja paciência para navegar! Não é à toa que o site vive congestionado.

Não precisamos ir muito longe para racionalmente chegarmos à conclusão de que a facilidade em se conseguir informações sobre os membros é tão grande, que qualquer seqüestrador faria a festa. Saber onde mora a filha de um empresário rico, telefone, lugares que freqüenta e escola na qual estuda é questão de cinco minutos de busca e leitura no Orkut.

E quando menos se espera, tudo o que escreveu pode ser usado contra você. Conforme reportagem publicada na Revista Consultor Jurídico, o perfil de Felipe Siqueira Cunha de Souza, foi uma das alegações da defesa do promotor de justiça Thales Ferri Schoedl. O promotor foi acusado de ferir gravemente a Felipe depois de uma discussão em Bertioga, litoral de São Paulo. Os advogados alegaram legítima defesa e que, no perfil do Orkut, havia más referências da suposta vítima, mostrando que "ele bebe regularmente, é participante de várias comunidades de bebidas alcoólicas e proprietário da comunidade ‘Barca do Alemão’, na qual se pode ler que seus integrantes, além do apologismo à ingestão excessiva de bebidas alcoólicas, trocam, entre si, mensagens sobre aventuras concretas envolvendo excessos com bebidas alcoólicas e direção de automóveis." [04]

Sabe-se que examinadores de concursos públicos no Brasil já utilizam o sistema para pesquisar a vida de candidatos; namorados e namoradas ciumentos vivem em incessante guerra com seus companheiros porque "fulano" ou "fulana" está na lista de amigos, recebeu "mensagem suspeita" ou seu marital status está como "solteiro"; celebridades são vítimas de falsos perfis que levam seus nomes e denigrem a imagem; e por aí vai o estrago na vida das pessoas.

Alguns consideram a nova moda "coisa de adolescente", afirmação absolutamente ingênua feita por pessoas muito mal-informadas. A realidade é que não há limites de idade para a "brincadeira" virtual. Os membros são adolescentes, adultos, idosos e até crianças de pouquíssima idade. Pais cadastram seus filhos de quatro ou cinco anos para exibir fotos e distribuir informações na tentativa de não deixá-los fora desse círculo da moda. O importante para os membros é ter amigos na lista. Quanto mais amigos, mais famosa e sociável a pessoa é considerada na comunidade.

Conspiração?

É extremamente comum o internauta adentrar o site sem ao menos ler os "termos de serviço", o qual dispõe que todo o conteúdo, incluindo fotos, informações pessoais e mensagens, são de propriedade do Orkut.

Neste sentido:

"Há uma cláusula nos termos de adesão do Orkut que garante aos seus proprietários direitos a tudo o que ele fizer no sistema. Alguns usuários já reclamaram desta cláusula, indignados com a invasão de privacidade, tendo que se policiarem com tudo o que dizem ou fazem no Orkut.
(…)
"O trecho mais preocupante, que está na seção ‘orkut.com´´s proprietary rights’, seria esse: ‘Ao submeter, postar ou mostrar quaisquer materiais no ou através do serviço orkut.com, você automaticamente nos dá direitos mundiais, não-exclusivos, sublicenciáveis, transferíveis, sem royalties, perpétuos e irrevogáveis, para copiar, distribuir, criar trabalhos derivativos ou executar e exibir publicamente tais materiais’." [05]
"Perco o sono só de pensar na mina de ouro que o Orkut pode representar", diz Alexandre Hohagen, diretor-geral do Google no Brasil. [06]

E Alexandre Hohagen não sorri à toa. Além do Orkut, a empresa ainda oferece os mais variados serviços, corroborando para a crença de que o Google quer dominar o mundo.

Primeiramente, há o site que leva o próprio nome da empresa (), hoje em dia o mecanismo de busca mais usado na Internet; o e-mail gratuito chama-se Gmail (); para criação de blogs oferecem o Blogger (); a Google News () é um jornal eletrônico, inclusive com sua novíssima versão brasileira; o Froogle compara os preços dos sites de comércio eletrônico (); Google Print é um mecanismo de busca especializado em livros escaneados e digitalizados (); para buscar videos na rede criaram o Google Video (); o Google Desktop é um mecanismo de busca que indexa e localiza arquivos no micro (); para visualizar fotos de satélite da Terra há o Google Earth (); Google Groups é para listas de discussão (); e, finalmente, a comunidade Orkut.

Pergunta-se: não seria um controle totalitário? Seria o Orkut mais um plano do Google para a dominação mundial? Talvez uma conspiração?

Segundo o Dicionário Aurélio, "conspiração" significa maquinação, trama, conluio secreto. Não sabe-se ao certo se há qualquer trama por trás do Orkut. Por enquanto, a única afirmação que não traz dúvidas é o gigantesco controle do Google sobre informações que circulam na rede.
Neste sentido, George Orwell escreveu o livro "1984" no final da década de 40, contendo parábolas que, apesar de escritas há décadas, encontram perfeita guarida na época atual.

Orwell utiliza uma linguagem de inversão dos significados para retratar o "Grande Irmão" (Big Brother), ou seja, aquele que tudo vê. O "Grande Irmão" nada mais é do que uma personificação do Estado, o retrato perfeito do mercado totalitário.

Se, para o Estado, "liberdade é escravidão" ,isso significa que "escravidão é liberdade"; o próprio indivíduo se sujeita às regras sociais da economia de mercado para não morrer socialmente. Ainda: "ignorância é força", comemoram empresários que necessitam da ignorância social para sobreviverem no mundo globalizado. Outros: "a loucura da produtividade é auto-experiência", "auto-submissão é auto-realização", "angústia social é autolibertação", e assim por diante. [07]

Sobre Orwell, escreveu Robert Kurz, sociólogo e ensaísta alemão:

"(…) sua utopia negativa há muito tempo se tornou realidade e que vivemos hoje no mais totalitário de todos os sistemas, cujo centro é formado pelo próprio Ocidente democrático. Seguramente o próprio Orwell não pensou desse modo. É óbvio que ele, da perspectiva dos anos 40 do século passado, quando escreveu suas parábolas, não tinha em vista realmente outra coisa que a experiência imediata do nazismo e do stalinismo;
(…)
"As grandes obras filosóficas e as grandes parábolas literárias se caracterizam por dizer muitas vezes mais que seus próprios autores sabiam e por lançar uma luz surpreendente sobre as condições posteriores."
[08]

Do livro Admirável Mundo Novo, de Aldous Huxley, extraímos as mesmas conclusões, bem como Vigiar e Punir, de Michel Foucalt. O que existe é um controle social individual, no intuito de saber pormenores de cada indivíduo. O saber é Poder.

Existe vigilância e suspense, pois todos se observam para checar quem será aquele a cometer suicídio social. Tal vigilância é sufocante e – numa assertiva pessimista – parece não ter fim.
Conspiração ou não, a sociedade deve ser prudente para não cair em armadilhas e, ao mesmo tempo, não viver em paranóia. Tomar cuidado com a excessiva exposição no Orkut já é um começo.

Portal de vírus

Em setembro de 2005 a empresa Google surpreendeu os usuários ao exigir que, para adentrar o Orkut, criassem uma conta do Google, cadastrando um e-mail no site. Somente quem já fizesse uso do Gmail não precisaria fazer o cadastro e poderia entrar livremente tanto no Orkut quanto nos outros serviços oferecidos pela empresa.

No início, alguns brasileiros reclamaram por "não terem sido avisados" e "por serem forçados a abrir a conta". Outros, nada disseram, contanto que ficassem desobrigados de pagamento para utilização do serviço. [09]

A mudança abriu caminho para a atuação dos piratas virtuais. Um dos golpes tem como foco o sistema operacional Windows. À vítima é enviado um e-mail de fundo azul contendo o logotipo do Orkut, oferecendo-se uma falsa atualização através do link "Faça o download do programa aqui!!!". Ao clicar, é automaticamente instalado no micro o programa Banker.gen, o qual rouba senhas bancárias. As transferências financeiras são feitas sem conhecimento ou autorização do titular da conta-corrente.

Outro vírus existente e criado no Brasil roubava o e-mail de usuário e senha do Orkut. Da mesma forma que o mencionado anteriormente, enviava-se um e-mail à vítima com a página inicial do website, dizendo que se o usuário não clicasse no link "atualize aqui seu cadastro", enviando seus dados cadastrais para nova atualização até o dia 15 de outubro, não poderiam mais acessar a rede de amizades. A vítima, sem saber, estava enviando suas informações a piratas virtuais. Estes, por sua vez, obtinham poderosas ferramentas para spam ou mesmo para agir com más-intenções fazendo-se passar por outra pessoa.

É importante salientar que o spam (envio de mensagens indiscriminadamente a vários usuários, sem que estes tenham requisitado) é considerado crime em alguns estados nos EUA, mas não no Brasil. Para evitá-lo, o ideal é atentar às mensagens de conteúdo duvidoso, "não mandar uma reclamação diretamente para quem enviou a mensagem, não tentar descadastrar seu email clicando em algum link que fale em descadastramento, remoção, etc. Ao fazer isso o usuário estará confirmando a legitimidade de seu e-mail, que poderá ser utilizado e até mesmo comercializado pelos spammers (pessoas que enviam spam)". [10]

Outrossim, clicar em imagens deixadas nos scrapbooks do Orkut pode ser fatal. Os links de florzinha, elefantinho ou coraçãozinho enviados pelo amigo podem conter vírus sem que ele mesmo saiba, e o prejudicado é aquele que clicou.

Quanto mais popular for o Orkut, mais visado sera pelos piratas da rede. Várias pessoas já perceberam como o website tem se tornado um portal de selvageria incontrolável e têm retirado seus perfis. A popularidade do site, porém, não tem baixado.

"Eu não consigo deixar o Orkut. É muito legal reencontrar as pessoas, conhecer outras novas e deixar scraps pra todos", é o que se ouve. Os piratas comemoram e gritam: "Viva a ingenuidade!".

Falsidade Ideológica

Não pensemos que somente "reles mortais" estão na rede. Pessoas que deveriam ter um cuidado maior com a privacidade também estão por lá. Um exemplo é o juiz federal Vlamir Costa Magalhães, cujo perfil descrito no Orkut causou fortes reações, principalmente por parte da Ordem dos Advogados do Brasil, a OAB.

O juiz expediu mandado de busca e apreensão no escritório do advogado Luiz Olavo Baptista (representante da empresa Schincariol), em São Paulo, para fins de investigar sonegação fiscal de empresas de bebidas (chamada "Operação Cevada"). No Orkut, Vlamir tem 85 amigos e descreve-se "marrento com quem merece". Diz que no trabalho dá "porrada em quem merece, carinho em quem merece", além de não ter posição política definida e ser dono de um humor inteligente e sagaz. [11]

Não só juízes federais como também promotores, procuradores, delegados e tantos outros estão expostos online para quem quiser ver.

Por outro lado, existem os falsos perfis como o de Luiz Inácio Lula da Silva. Difícil é identificar o falso e o verdadeiro, tarefa que envolve a análise de vários detalhes.

Em 01/04/05, a Abin (Agência Brasileira de Inteligência) tirou do ar os perfis do ministro chefe da Secretaria de Comunicação de Governo e Gestão Estratégica, Luiz Gushiken, e da primeira-dama do Brasil, "Marisa Letícia Lulinha da Silva", ambos perfis considerados falsos.

Falsidade ideológica é crime previsto no artigo 299, do Código Penal, assim tipificado:

"Art. 299 - Omitir, em documento público ou particular, declaração que dele devia constar, ou nele inserir ou fazer inserir declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita, com o fim de prejudicar direito, criar obrigação ou alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante:
Pena - reclusão, de um a cinco anos, e multa, se o documento é público, e reclusão de um a três anos, e multa, se o documento é particular."
[12]

A verdade é que os internautas se divertem. Lula, por exemplo, tem "ligações para lá de perigosas: Delúbio é amigo de Lula, que é amigo de Valério (com depoimento e tudo!), que é amigo de Dirceu, que é amigo de Jefferson (!!!), que denunciou o mensalão." [13] Como diz-se por aí, "toda brincadeira tem limite" e os responsáveis podem ser punidos legalmente, como bem observa a advogada Patricia Peck, especialista em Direito Digital.

Crimes contra a honra

Outros crimes freqüentes no Orkut são os crimes contra a honra. Mesmo que as mensagens sejam enviadas por anônimos, o website pode ser condenado a indenizar a vítima, "por estar servindo como suporte para a prática do ilícito." [14]

Os crimes contra a honra são: calúnia, difamação e injúria. Calúnia é a falsa imputação a alguém (mesmo se este alguém já morreu) de fato definido como crime, também cometendo o mesmo delito aquele que, sabendo da falsidade, propala ou divulga a informação; difamar uma pessoa é imputar fato ofensivo à sua reputação; e, injuriar é ofender-lhe a dignidade ou o decoro.

Atenção especial ao artigo 141, do mesmo Codex:

"Art. 141 – As penas cominadas neste Capítulo aumentam-se de um terço, se qualquer dos crimes é cometido:
I – contra o Presidente da República, ou contra chefe de governo estrangeiro.
II – contra funcionário público, em razão de suas funções.
III – Na presença de várias pessoas, ou por meio que facilite a divulgação da calúnia, da difamação ou da injúria.
IV – contra pessoa maior de 60 (sessenta) anos ou portadora de deficiência, exceto no caso de injúria.
Parágrafo único – Se o crime é cometido mediante paga ou promessa de recompensa, aplica-se a pena em dobro."

A empresa de viagens Artha, de Minas Gerais, conseguiu judicialmente que a comunidade "Enganados pela Artha" fosse retirada do ar. A decisão foi do juiz Estevão Lucchesi, que "mandou o responsável pela página, identificado como Lucas Matos, retirar o conteúdo do ar, sob pena de ter de pagar multa diária de R$ 200, segundo o site InfoJur". [15] De acordo com Patricia Peck, o revoltado moderador cometeu dois erros: usou o logotipo da empresa sem autorização e xingou a sócia da empresa.

Outra vítima foi a artista plástica Neusa Maria Peres de Almeida, que pediu à moderadora da comunidade "Criadores de Desenhos" que seus desenhos fossem retirados, pois estes haviam sido copiados e levavam a assinatura de outra pessoa ("by Mag@lee").

Os membros da comunidade, então, começaram a espalhar mensagens de ofensa à honra da artista, o que fez com que Neusa, juntamente ao escritório Murilo Maciel, de Goiânia, entrasse com pedido formal na Justiça, fundamentado na lei de Direitos Autorais. Assim, decidiu liminarmente o juiz Rodrigo de Silveira Cardoso pela retirada dos desenhos do Orkut. A multa imposta ao website pelo descumprimento da decisão foi de R$500,00 por dia.

As freiras do Colégio São Paulo também pediram socorro à Justiça para eliminar a comunidade "Holden Caufield", formada por ex-estudantes do colégio que ofendiam a honra das freiras, professores e do próprio colégio através de mensagens. O juiz Roque Fabrício de Oliveira Viel, da 2a Vara Cível de Teresópolis, no Rio de Janeiro, concedeu a liminar, com multa de R$ 100,00 diários no caso de descumprimento.

Lei aplicável

Segundo o Princípio da Territorialidade previsto no artigo 5o do Código Penal, em sendo o crime cometido no Brasil, a lei aplicável é a brasileira. O artigo 7o do mesmo Codex dispõe que, uma vez cometido no estrangeiro e praticado por brasileiro, também está sujeito à sanção brasileira, observadas as condições do parágrafo 2o do mesmo artigo. Neste diapasão:

"Ao falarmos em Internet, três são as vias que nos vêm à cabeça: e-mails, chats e sites. Nos três casos, haveria possibilidade de aplicação da lei penal brasileira! Afinal, ainda que o "plano físico" da Internet (provedora, site, servidor, hospedeiro) seja de outro país, sendo o autor do delito pessoa brasileira, será punido pelo nosso Código Penal (Artigo 7º, II, "b") desde que se adeque nos requisitos previstos pelo § 2º do respectivo artigo.

Utilizando este raciocínio, percebemos que caso a ofensa à honra seja praticada por e-mail, verifica-se de onde foi enviada a comunicação eletrônica. Se for cometida durante um Chat, observa-se o local onde estão os interlocutores. Cometido através de sites, deve-se analisar onde se encontra o provedor/host. Em qualquer dos casos, ainda que tudo ocorra em outro país, é mister verificar se o autor/responsável por tais ofensas é ou não brasileiro, e se encontra nas hipóteses do Artigo 7º § 2º."
[16]

E qual o valor da prova obtida através do Orkut? O advogado paranaense André Luis Pontarolli assim entende:

"Pelo simples fato de que não se pode saber se uma pessoa que está se manifestando na rede é ela mesma, revela a fragilidade e insubsistência de uma prova extraída do Orkut. O mais sensato, a partir do momento em que se verifica que uma prova é incerta, é entender que ela não possui qualquer valor jurídico; pois aceitar uma prova duvidosa é ferir um dos princípios basilares do Processo Penal, qual seja o do in dubio pro reo.

"Imagine a possibilidade de alguém, utilizando todos os seus dados, bem como a sua imagem, criar uma conta no Orkut e passar a cometer atrocidades, criando comunidades racistas, proferindo injúrias, ameaçando os outros; e apenas com base nisso você fosse processado criminalmente. Como você se sentiria?"
[17]

A Justiça deve ser cautelosa ao analisar as provas, cuidando para que não haja impunidade ou condenação injusta. O advogado ainda sugere o estabelecimento de meios preventivos na rede como a melhor maneira de evitar a punição do inocente.

Civilmente, há uma polêmica. Na lei civil o critério não é mais a nacionalidade do autor, e sim o local de origem do fato. Ademais, ainda não há regulamentação para a hipótese de aplicação da lei brasileira fora do Brasil.

Crime organizado

O crime organizado também faz real festa nas communities. Tráfico de drogas, racismo, pedofilia, nazismo e xenofobia estão espalhados em comunidades sob os nomes "Eu Odeio Japonês", "Eu Odeio Preto", "Eu Odeio a Argentina", "Judeu — prefiro o meu ao ponto", "Odeio velhos na minha frente", "Sou contra as cotas para pretos" (criada por um aspirante à vaga de curso de Medicina, que escreveu: "Lugar de preto é na floresta, e não na faculdade. Volta pra África, bando de inútil!"), e por aí vai.

Incitação ao crime (incitar, publicamente, a prática de crime), apologia de crime ou criminoso (fazer, publicamente, apologia de fato criminoso ou de autor de crime) e formação de quadrilha ou bando (associação de mais de três pessoas, em quadrilha ou bando, para o fim de cometer crimes) são todos crimes contra a paz pública passíveis de punição.

Marília Alves, designer de multimídia, tentou defender a menina de quatro anos que participa de comercial da Embratel, na comunidade "Eu Tenho Medo da Anã (sic) Paula Arósio", e foi ameaçada de estupro. Há ainda a comunidade "Eu Odeio a Menininha do 21", em que um argentino diz querer dar "21 socos na cara dela". [18]

O que também pode ser considerado assustador é que os participantes dessas comunidades não são poucos, ou ao menos têm medo de expor nome e sobrenome, amparando-se no direito constitucional de liberdade de expressão e esquecendo que há limites previstos no Código Penal. As pessoas pensam que o virtual não pode se tornar real, havendo uma falsa impressão de impunidade.

Por sua vez, o Ministério Público do Estado de São Paulo está de olhos bem abertos através do Gaeco (Grupo de Atuação Especial e Repressão ao Crime Organizado). O grupo chega às páginas por monitoramento ou comunicação do delito via e-mail (comunicacao@mp.sp.gov.br), carta ou telefone.

Kenarik Boujikian Felippe, juíza da 16a Vara Criminal de São Paulo, capital, porém, entende que o Ministério Público não tem poderes de investigação criminal, cabendo esta somente à Polícia Civil. Assim, em decisão de 1o de julho de 2005, rejeitou denúncia de racismo no Orkut proposta pelo órgão contra Leonardo Viana da Silva, determinando remessa de cópias dos autos à Polícia Civil para instauração de inquérito policial. Outrossim, determinou à autoridade policial que tomasse providências para retirar do Orkut as comunidades "Racista Não, Higiênico", "Coisasqueodeio: preto e racista" e "Sou Racista". [19]

Racismo é crime tipificado pela Lei 7.716/89, com alterações da Lei 9.459/97. A pena é de um a três anos, mas sobe para dois a cinco anos quando o delito é cometido por meio de órgãos de comunicação social, posição na qual se enquadra o Orkut. O texto dispõe sobre a proibição da discriminação de raça, cor, etnia, religião e procedência nacional.

Em Campinas, no estado de São Paulo, o Ministério Público e a Polícia Civil investigam possíveis crimes de formação de quadrilha e ameaça na comunidade "Unidos para matar Dr. Hélio", referindo-se ao prefeito da cidade, Hélio de Oliveira Santos, do PDT. O moderador da página disse tê-la criado apenas como ação de protesto e não tencionava causar mal algum ao prefeito. O departamento jurídico da prefeitura teme que a comunidade estimule atos criminosos.

Anotações finais

Se o Orkut é apenas moda ou veio para ficar, a resposta não está a nosso alcance. A única certeza que temos é a urgência na criação de um diploma legal brasileiro adequado às mudanças que a tecnologia vem causando nas relações sociais, familiares, de trabalho e no comportamento do indivíduo consigo.

O que o Google faz com os dados dos membros do Orkut? Eis a incógnita. Ninguém se opõe ao fato de se tratar de um poderosíssimo banco de dados mundial, com informações valiosas e hábitos pessoais de seis milhões de pessoas: todos, de alguma forma, amigos de Orkut (Buyukkokten).

Privacidade? Palavra desconhecida. Por mais bem-intencionados e discretos que alguns tentem ser, a verdade é que todos vigiam a todos, como George Orwell contou em parábolas em 1949, sem que ao menos soubesse que tais previsões alcançariam a época de hoje.

Aos que ainda não fazem parte do website, recomenda-se séria reflexão sobre o assunto; aos que já estão familiarizados com os scraps, testimonials, e afins, leiam este artigo uma segunda vez e repensem sobre manter tamanha exposição no Orkut. Caso ainda decidam permanecer na rede, que seja respeitando o direito alheio.

"O problema do mal não é outra coisa, em grande parte, senão o problema da liberdade." (Nikolai Berdaiev)

REFERÊNCIAS:
_____________. 42% dos internautas desaprovam mudança efetuada no Orkut. Folha Online, 22 de setembro de 2005. Disponível em: . Acesso em: 07 nov. 2005.
______________. Fora do ar: Justiça manda estudante retirar nome de colégio do Orkut. Revista Consultor Jurídico, 19 de novembro de 2004. Disponível em: <http://conjur.estadao.com.br/static/text/31280,1>. Acesso em: 07 nov. 2005.
______________. O que é spam? Disponível em: . Acesso em: 18 nov. 2005.
_______________. Ofensa virtual: Juiz de MG manda internauta tirar página do Orkut. Revista Consultor Jurídico, 1 de outubro de 2004. Disponível em: <http://conjur.estadao.com.br/static/text/30355,1>. Acesso em: 07 nov. 2005.
_______________. Poderes do MP: Juíza rejeita denúncia de racismo no Orkut. Revista Consultor Jurídico, 6 de julho de 2005. Disponível em: <http://conjur.estadao.com.br/static/text/36075,1>. Acesso em: 07 nov. 2005.
________________. Serviço do Orkut forma "banco de dados mundial". Folha de São Paulo. 25 de maio de 2004. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/informatica/ult124u16039.shtml>. Acesso em: 07 nov. 2005.
ALECRIM, Emerson. Uma análise do Orkut: vantagens e desvantagens. 03 de fevereiro de 2005. Disponível em: . Acesso em: 07 nov. 2005.
ATHENIENSE, Alexandre. Dentro da lei: Orkut e usuários podem ser condenados por ofensa à honra. Revista Consultor Jurídico, 16 de julho de 2005. Disponível em: <http://conjur.estadao.com.br/static/text/36326,1>. Acesso em 07 nov. 2005.
BUYUKKOTEN, Orkut. Orkut Buyukkokten. Disponível em: <http://www.stanford.edu/~orkut/>. Acesso em: 07 nov. 2005.
CARDILLO, René. Orkut: dicas para se dar bem na nova mania da internet, AOL, 28 de julho de 2004. Disponível em: <http://noticias.aol.com.br/geral/fornecedores/aol/2004/07/28/0001.adp>. Acesso em: 07 nov. 2005.
CARPANEZ, Juliana. Orkut dá falsa impressão de impunidade, diz promotor de Justiça. Folha Online, 29 de julho de 2005. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/informatica/ult124u18749.shtml>. Acesso em: 07 jul. 2005.
CARPANEZ, Juliana. Depois de mudança no Orkut, internautas devem redobrar cuidados. Folha Online, 14 de setembro de 2005. Disponível em: . Acesso em: 07 nov. 2005.
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NOTAS
01 Disponível em: . Acesso em: 07 nov. 2005.
02 Disponível em: <http://portalexame.abril.com.br/edicoes/855/tecnologia/conteudo_102030.shtml>. Acesso em: 18 nov. 2005.
03 Disponível em: . Acesso em: 07 nov. 2005.
04 Disponível em: <http://conjur.estadao.com.br/static/text/34337,1>. Acesso em: 07 nov. 2005.
05 Disponível em: <http://www.comunicacao.pro.br/setepontos/18/orkut.htm>. Acesso em: 07 nov. 2005.
06 Disponível em: <http://portalexame.abril.com.br/edicoes/855/tecnologia/conteudo_102030.shtml>. Acesso em: 18 nov. 2005.
07 Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/fsp/mais/fs0106200311.htm>. Acesso em: 18 nov. 2005.
08 "Ibidem".
09 Disponível em: . Acesso em: 07 nov. 2005.
10 Disponível em: . Acesso em: 18 nov. 2005.
11 Disponível em: <http://conjur.estadao.com.br/static/text/36082,1>. Acesso em: 07 nov. 2005.
12 Disponível em: . Acesso em: 18 nov. 2005.
13 Disponível em: . Acesso em: 07 nov. 2005.
14 Disponível em: <http://conjur.estadao.com.br/static/text/36326,1>. Acesso em 07 nov. 2005.
15 Disponível em: <http://conjur.estadao.com.br/static/text/30355,1>. Acesso em: 07 nov. 2005.
16 Disponível em: <http://www.revistaautor.com.br/artigos/2004/40dnn.htm>. Acesso em 07 nov. 2005.
17 Disponível em: <http://www.oabpr.org.br/op20.asp>. Acesso em: 07 nov. 2005.
18 Disponível em: <http://www.midiaindependente.org/pt/blue/2004/09/290831.shtml>. Acesso em: 07 jul. 2005.
19 Disponível em: <http://conjur.estadao.com.br/static/text/36075,1>. Acesso em: 07 nov. 2005.

terça-feira, abril 11, 2006

A noção de propriedade no direito civil contemporâneo

Daniela Vasconcellos Gomes - especialista em Direito Civil Contemporâneo pela Universidade de Caxias do Sul (UCS), mestranda em Direito Ambiental da Universidade de Caxias do Sul (UCS), advogada em Farroupilha (RS)
Sumário: Introdução 1 Constituição Federal de 1988: a dignidade da pessoa humana como fundamento do ordenamento jurídico 2 Código Civil de 2002: avanço ou retrocesso? 3 Novo conceito de propriedade e função social – Considerações finais – Referências
Introdução

O direito, especialmente o direito civil, por longo tempo esteve restrito à proteção apenas dos interesses burgueses. Essa concepção individualista e patrimonialista do direito predominou até o advento da Constituição Federal de 1988, que recolocou o ser humano no centro do ordenamento jurídico. Com a dignidade da pessoa humana elevada a fundamento da República, o direito não mais protege quase que exclusivamente a propriedade, mas também (e especialmente) a existência do ser humano.

Não pode haver tema de maior relevância para o direito civil, pois configura-se em uma mudança radical no eixo central de seu sistema. O patrimônio deixa de ser o objeto principal da tutela jurídica, para dar espaço à valorização da pessoa humana – a chamada repersonalização do direito. Trata-se modificação tão substancial que, hoje, quase 15 anos após a promulgação da Carta de 1988, o direito ainda não conseguiu ajustar-se perfeitamente a essa nova perspectiva.

Com o objetivo de melhor compreender essa mudança de concepção, nesse breve estudo tratar-se-á da imposição constitucional da tutela da dignidade da pessoa humana por todo o ordenamento jurídico, o papel do Código Civil de 2002 no direito civil contemporâneo, e a nova concepção de propriedade frente a essa realidade fático-jurídica.

1 Constituição Federal de 1988: a dignidade da pessoa humana como fundamento do ordenamento jurídico

A Constituição Federal de 1988, logo em seu art. 1º, III, estabelece que a dignidade da pessoa humana é um dos fundamentos da República Federativa do Brasil. [01] Determina, assim, que os direitos e garantias fundamentais são inafastáveis, vez que inerentes à personalidade humana. A dignidade da pessoa deve ser entendida como um fim, não como um simples meio para alcançar outros objetivos, ou como mera norma programática.

A importância desse dispositivo e a inovação por ele trazida é incontestável: colocou o ser humano como objetivo central do ordenamento jurídico, orientando e fundamentando todo o sistema, de maneira que todo ele esteja sistematicamente direcionado para a sua proteção. [02]

Trata-se de uma verdadeira inversão quanto ao objeto de tutela do ordenamento jurídico. Se o direito tradicional, especialmente o direito civil, tinha por objetivo apenas assegurar a apropriação de bens e a sua circulação, o direito contemporâneo se preocupa com a proteção da pessoa humana, concretamente considerada.

O direito civil brasileiro, ordenado até recentemente pelo Código Civil de 1916, tinha suas raízes no pensamento liberal que orientou as codificações do século XIX. Tal pensamento predominou até a Constituição Federal de 1988, que impôs a todo o ordenamento pátrio a proteção plena da pessoa humana. Ao elevar a dignidade da pessoa humana ao status de valor constitucional e de fundamento da República, o texto constitucional estabeleceu que se abandonasse a concepção patrimonialista predominante desde o século XIX.

Se o patrimônio já foi considerado atributo da personalidade, quando essa era considerada abstratamente, atualmente não se admite que a pessoa não seja considerada de forma concreta, observando-se suas reais necessidades, anseios e sentimentos. É a chamada repersonalização do direito, em que o ser humano volta a ser a razão de todo o ordenamento jurídico. [03]

A proteção da dignidade humana deve prevalecer sobre toda e qualquer relação jurídica patrimonial. [04] Tal princípio ético-jurídico orienta todo o ordenamento, atribuindo sistemática e unidade axiológica ao direito civil, que abandona seus valores precipuamente individualistas. De modo que, na reestruturação do sistema, o civilista deve primar pela proteção da dignidade da pessoa humana em toda interpretação ou aplicação de normas. [05]

Como a Constituição Federal tem aplicação direta e imediata, não é possível que suas normas não tenham incidência nas relações privadas. Assim, todo o direito, incluindo o direito civil, deve ser orientado pelos princípios constitucionais, especialmente os elencados como valores fundamentais. Mesmo nas excepcionais restrições ao exercício de direitos fundamentais, a dignidade da pessoa humana não pode ser desprezada. [06]

Por essa razão o direito civil, ao proteger a propriedade, não o fará pelo bem em si, mas apenas enquanto ele servir de instrumento para a efetivação de valores constitucionais, tais como a justiça social, e possibilitar a tutela plena da dignidade da pessoa humana. [07]

Ademais, em respeito à superioridade hierárquica dos preceitos constitucionais, toda a legislação infraconstitucional deve interpretada e aplicada de acordo com o texto constitucional, que, além de vértice da legislação, tem papel unificador no sistema jurídico.

2 Código Civil de 2002: avanço ou retrocesso?

O Código de 1916 foi elaborado sob a visão oitocentista, que tinha por intuito preservar os direitos conquistados pela burguesia frente ao Estado após a Revolução Francesa. Nesse contexto, de busca de segurança jurídica, o direito civil estava centrado no código, pois somente com uma codificação fechada seria possível atingir a estabilidade normativa perseguida.

Com as transformações sociais ocorridas na primeira metade do século XX, a segurança jurídica e a igualdade formal tornaram-se insuficientes para regular as relações de modo satisfatório. O Estado Liberal deu lugar ao Estado Social, e a segurança jurídica, à busca da justiça. [08]
Diante da complexidade social que se apresentava, era preciso regular as relações que não estavam previstas ou eram insatisfatoriamente reguladas. Inicia a chamada "era dos estatutos" [09], em que setores inteiros foram retirados do Código Civil e passaram a ser regulados por legislação extravagante, para atender as demandas sociais.

Essa mudança significou a abertura do sistema do direito civil. Se o sistema era fechado para garantir a segurança jurídica, em um segundo momento mostrou-se imprescindível que fosse aberto, para que pudesse proteger de forma efetiva valores fundamentais, tais como a dignidade da pessoa humana. O civilista, então, não está mais "na defesa de uma classe, a burguesia, mas da pessoa e dos seus interesses inalienáveis". [10]

E de forma indiferente à denominada era da descodificação, e aos críticos ferrenhos da tentativa de manter a legislação civil em um único corpo legislativo, em 1975 começa a elaboração do Projeto do Código Civil hoje vigente em nosso país. Depois de quase 30 anos de tramitação, alternando trabalhos de elaboração e revisão com longos períodos de verdadeiro abandono, a Lei 10.406/02 foi finalmente aprovada, instituindo o "novo" Código Civil, que entrou em vigor em 11 de janeiro de 2003.

Evidentemente que, em decorrência de vivermos em um período de transição, em que a própria codificação é questionada, [11] e do longo período de tramitação, o Código Civil de 2002 é alvo de muitas (e severas) críticas. O principal argumento é que trata de uma legislação anacrônica, ultrapassada, inadequada, e até, inconstitucional. [12]

As principais diretrizes seguidas na elaboração do Código Civil de 2002 foram: a preservação do Código Civil de 1916 sempre que possível, não só pelos seus méritos, mas também em função do acervo doutrinário e jurisprudencial constituído; a inserção apenas de matérias já consolidadas, sem abranger matérias que, por sua novidade ou complexidade, devem ser abordadas em legislações especiais; alteração geral do Código de 1916 no que se refere a valores considerados essenciais, como a eticidade, a sociabilidade e a operabilidade. [13]

Somente a inserção desses valores já demonstra uma evolução significativa em relação ao Código Civil anterior. A sociabilidade traduz-se pelo predomínio do sentido social sobre o individual, sem desconsiderar o valor fundamental da pessoa humana. A eticidade refere-se ao abandono do formalismo técnico-jurídico, para assumir uma concepção mais aberta, com a valorização de princípios éticos. Com a operabilidade, a norma deve ser de fácil compreensão e aplicação, a fim de evitar equívocos e dificuldades.

O Código Civil de 2002 pode ser objeto de revisão ou complemento, mas desde que se trate de questões substanciais, e não de pontos de vistas discutíveis, ainda não devidamente amadurecidos no plano teórico e prático. É muito cedo para tantas propostas de emendas, [14] pois, em verdade, o mundo jurídico ainda nem conseguiu perceber o alcance de muitos de seus dispositivos.

De modo que, para a atualização do direito civil, mostra-se oportuna a experiência italiana de aproximar o ordenamento civil ao texto constitucional, a utilização de conceitos legais indeterminados e cláusulas gerais, entre outras novas formas de encarar o direito, de modo a abrir o sistema e adequá-lo a sociedade atual.

3 Novo conceito de propriedade e função social

A propriedade, antes considerada direito subjetivo absoluto, atualmente ressurge sob outra concepção, ao aliar-se a função social às suas faculdades inerentes de usar, gozar e dispor.

O princípio da função social relativiza o individualismo que marcou o tratamento do direito de propriedade na codificação oitocentista. A propriedade não deixou de ser direito subjetivo tutelado pelo ordenamento jurídico, mas a função social altera a estrutura e o regime jurídico do direito de propriedade, atuando sobre o seu conceito e o seu conteúdo. [15]

Assim, o conceito de propriedade pode ser expresso atualmente como "direito que permite a um titular usar, gozar e dispor de certos bens, desde que ele o faça de modo a realizar a dignidade de pessoa humana." [16]

O direito de propriedade não é concedido ou reconhecido em razão da função social, mas deve ser exercido de acordo com esta. A função social constitui-se, então, em título justificativo dos poderes do titular da propriedade.
Para cumprir sua função, a propriedade deve produzir, de modo a contribuir para a melhoria de condições, não só de seu titular, mas de todos, em respeito ao objetivo constitucional de construir uma sociedade justa e solidária. A propriedade que não cumpre sua função social não pode ser tutelada pelo ordenamento, que submete os interesses patrimoniais aos princípios fundamentais.

A Constituição Federal garante o direito de propriedade, desde que este exerça sua função social. O próprio texto constitucional determina a funcionalidade da propriedade, ao estabelecer a dignidade da pessoa humana como fundamento da República e determinar como objetivo a justiça social. [17]

O princípio da sociabilidade, valor essencial do Código Civil de 2002, também vem dar novo sentido às disposições relativas ao Direito das Coisas, como se dá, por exemplo, com a posse, que, quando acompanhada de trabalho criador, implica em substancial redução do prazo de usucapião, em consonância com a função social da propriedade, consagrada na Constituição Federal de 1988.

Enfim, o aspecto predominante na concepção contemporânea de propriedade é a sua função social, instrumento de concretização do princípio central da dignidade da pessoa humana. [18] Reflexo da própria evolução do sistema do direito civil, que mudou de direção, abandonando seu caráter patrimonialista para assumir-se personalista, de acordo com os valores constitucionais.

Considerações finais
O direito exerce e sofre influência da sociedade, especialmente em razão dos valores por ela considerados relevantes, dignos de tutela. Diante de tal característica, é natural que sofra mudanças no decorrer dos tempos, de acordo com a realidade social.

No direito civil, essa transformação é significativa. Seu eixo central foi modificado: atualmente importa a tutela da pessoa humana, em detrimento do patrimônio. Mas por se tratar de uma mudança recente (e complexa), ainda não conseguimos assimilar a sua amplitude. Vivemos em uma época de transição, pois, ao mesmo tempo que o direito positivo inova com dispositivos que tentam impor uma nova concepção jurídica, mais social e menos individualista, em nossa sociedade ainda percebe-se arraigado o espírito individualista e patrimonialista (o mesmo predominante na época oitocentista).

O centro do ordenamento jurídico, desde a Constituição Federal de 1988, é a dignidade da pessoa humana. Até hoje, 15 anos depois, não conseguimos nos adaptar a essa realidade. Nosso jovem país, desde o seu descobrimento, recebe influência da Europa burguesa. Desse modo, não é difícil entender o porquê há certa relutância em abandonar velhos valores, essencialmente patrimonialistas, para primar pela proteção da pessoa concretamente considerada, seus anseios, seus sentimentos. Essa confusão axiológica, em que há a imposição de certos valores, mas que não conseguem se sobrepor aos já estabelecidos em nossa sociedade, só colabora com os problemas jurídicos e hermenêuticos que viemos nos deparando.

A Constituição Federal de 1988 foi um marco revolucionário, trazendo a repersonalização ao nosso ordenamento jurídico, mas até hoje não é eficazmente aplicada. O Código Civil de 2002 pretendia ser uma inovação, frente à visão individualista e patrimonialista do Código Civil de 1916, mas em razão de seu longo tempo de tramitação, não conseguiu acompanhar as modificações trazidas pela Constituição Federal de 1988.

Em razão desse descompasso temporal-lógico entre a Constituição e o Código Civil, este vem recebendo críticas severas. Que o Código tem algumas falhas, não há como negar. Mas ele está vigorando, após um longo trabalho de elaboração e revisão. Então, antes de apenas apontar eventuais erros, é hora de estudá-lo, interpretar seus dispositivos, e efetivamente, aplicá-lo.

A Constituição Federal é o vértice do ordenamento, e deve nortear toda a legislação infraconstitucional. Se o Código Civil não acompanhou todas as diretrizes impostas pela Constituição Federal em sua elaboração, não é motivo para rechaçá-lo. Cabe a nós, construtores do direito, fazer com que ele seja aplicado de acordo com a Lei maior. Esse é o verdadeiro sentido da visão civil-constitucional do direito: não basta mais sermos apenas operadores do direito, precisamos construir o direito.

Se o legislador não conseguiu alcançar o objetivo por nós esperado, não vamos nos omitir e usar esse fato como desculpa para não aplicar efetivamente o direito. O valor da dignidade da pessoa humana é importante demais para ser deixado de lado: não podemos permitir que ele deixe de ser aplicado enquanto se discutem posições doutrinárias divergentes.
Referências


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Notas

01 A partir da inclusão do princípio da dignidade humana na Declaração Universal dos Direitos do Homem, este foi positivado em vários ordenamentos jurídicos. Países como Alemanha, Brasil, Espanha, Grécia e Portugal inseriram esse princípios em seus textos constitucionais. (CUNHA, Alexandre dos Santos. Dignidade da pessoa humana: conceito fundamental do direito civil. In: A reconstrução do direito privado, 2002, p. 245).
02 FACHIN, Luiz Edson. Apreciação crítica do Código Civil de 2002 na perspectiva constitucional do direito civil contemporâneo. Revista Jurídica, n. 304, fev. 2003, p. 17.
03 Particularmente, causa-me até certa estranheza o alvoroço causado pela despatrimonialização do direito privado, pois nada mais é do que a reordenação dos valores em seus devidos lugares: as pessoas, sujeitos de direito, independentemente de qualquer vinculação patrimonial, e os bens, meros objetos de direito.
04 Com esse sentido, as palavras do professor carioca André Gondinho: "A Constituição Federal procedeu clara opção pelos valores existenciais que exprimem a idéia de dignidade da pessoa humana, em superação do individualismo tão marcante em nosso ordenamento anterior. Os direitos patrimoniais devem se adequar à nova realidade, pois a pessoa prevalece sobre qualquer valor." (GONDINHO, André Osório. Função social da propriedade. In: Problemas de Direito Civil-Constitucional, 2000, p. 430).
05 MORAES, Maria Celina Bodin de. Constituição e direito civil: tendências. Revista dos Tribunais, v. 779, set. 2000, p. 57-59.
06 Com esse entendimento, Alexandre de Moraes: "A dignidade é um valor espiritual e moral inerente à pessoa, que se manifesta singularmente na autodeterminação consciente e responsável da própria vida e que traz consigo a pretensão ao respeito por parte das demais pessoas, constituindo-se um mínimo invulnerável que todo estatuto jurídico deve assegurar, de modo que, somente excepcionalmente, possam ser feitas limitações ao exercício dos direitos fundamentais, mas sempre sem menosprezar a necessária estima que merecem todas as pessoas enquanto seres humanos [grifo original]." (MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional, 2003, p. 50).
07 TEPEDINO, Maria Celina B. M. A caminho de um direito civil constitucional. Revista de Direito Civil, Imobiliário, Agrário e Empresarial, n. 65, jul.-set. 1993, p. 28.
08 Se, em um momento anterior, a igualdade formal satisfazia os indivíduos, pois fazia com que sentissem protegidos perante o Estado, hoje isso não é o bastante. Além da proteção perante o Estado, busca-se a igualdade material também perante os outros indivíduos.
09 TEPEDINO, Gustavo. Premissas Metodológicas para a Constitucionalização do Direito Civil. In: Temas de direito civil, 1999, p. 8.
10 AMARAL, Francisco. A descodificação do direito civil brasileiro. Revista da Academia Brasileira de Letras Jurídicas, n. 13-14, 1º e 2º sem. 1998, p. 123.
11 Esse capítulo restringir-se-á a avaliar o papel do Código Civil de 2002 no direito civil contemporâneo, sem entrar na discussão da necessidade de uma codificação na atualidade. O papel do Código no direito civil é tema que merece ser tratado oportunamente, em estudo específico. Nesse momento, basta compartilhar o pensamento do Prof. Francisco Amaral: "Repensar o Código Civil e discutir sua estrutura e função, pressupõe ultrapassada uma questão prejudicial que é o da sua conveniência, oportunidade e legitimidade na sociedade brasileira contemporânea, tomando como ponto de partida a consideração de que o Código Civil é uma síntese científica e cultural e uma decisão de política legislativa, que somente a sua circunstância histórica justifica e permite compreender." (AMARAL, Francisco. Obra citada, p. 110).
12 Vejamos a respeitável opinião de Gustavo Tepedino: "O Código projetado peca, a rigor, duplamente: do ponto de vista técnico, desconhece as profundas alterações trazidas pela Carta de 1988, pela robusta legislação especial e, sobretudo, pela rica jurisprudência consolidada na experiência constitucional da última década." (TEPEDINO, Gustavo. O Código Civil, os chamados microssistemas e a Constituição: premissas para uma reforma legislativa. In: Problemas de Direito Civil-Constitucional, 2000, p. 9). Mas ainda mais contundente é a crítica proferida pelo Prof. Luiz Fachin: "O Código Civil de 2002 opera o retrocesso legislativo em matérias já disciplinadas pelas leis esparsas – pelo fato de que sua racionalidade é incompatível com a nova ordem constitucional –, estando, pois, eivado de inconstitucionalidade." (FACHIN, Luiz Edson. Obra citada, p. 22).
13 REALE, Miguel. Visão geral do novo Código Civil. Revista dos Tribunais, v. 808, fev. 2003, p. 13.
14 Apenas para ilustrar a situação: caso aprovados os projetos de lei PL 6.960/2002, PL 7.160/2002, e PL 7.312/2002, de autoria do Dep. Ricardo Fiúza, teríamos a modificação de 310 artigos do Código Civil.
15 GONDINHO, André Osório. Obra citada, p. 429.
16 KATAOKA, Eduardo Takemi. Declínio do Individualismo e Propriedade. In: Problemas de Direito Civil-Constitucional, 2000, p. 465.
17 Nesse sentido, bastante esclarecedor o seguinte trecho: "(...) na sistemática da Constituição, será socialmente funcional a propriedade que, respeitando a dignidade da pessoa humana, contribuir para o desenvolvimento nacional, para diminuição da pobreza e das desigualdades sociais." (GONDINHO, André Osório. Obra citada, p. 413).
18 VARELA, Laura Beck; LUDWIG, Marcos de Campos. Da propriedade às propriedades: função social e reconstrução de um direito. In: A reconstrução do direito privado, 2002, p. 785.
GOMES, Daniela Vasconcellos. A noção de propriedade no direito civil contemporâneo . Jus Navigandi, Teresina, a. 10, n. 1014, 11 abr. 2006. Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8233. Acesso em: 11 abr. 2006.

Suzane aguarda transferência do DHPP para um presídio

SUZANE AGUARDA TRANSFERÊNCIA DO DHPP PARA UM PRESÍDIO
Suzane von Richthofen continua presa nesta manhã na sede do DHPP (Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa), na região central de São Paulo, onde passou toda a madrugada. Ela deve ser transferida ainda nesta terça-feira (11/4) para um centro de recuperação ou uma penitenciária.
Após 9 meses e 10 dias de liberdade, ela se entregou à polícia às 19h40 de segunda-feira (10/4). O juiz do 1° Tribunal do Júri de São Paulo, Richard Francisco Chequini, havia decretado sua prisão preventiva horas antes, para evitar qualquer tentativa de Suzane de intimidar seu irmão, Andreas, e também devido às entrevistas concedidas por ela, "clara intenção de criar fatos e situações novas, modificando, indevidamente, o panorama processual".
Ré confessa pelo assassinato dos pais, Manfred e Marísia von Richthofen, Suzane se entregou por volta das 19h40 da segunda-feira no 89° DP (Portal do Morumbi), ao saber que sua prisão havia sido decretada. Cerca de uma hora depois, ela foi levada ao DHPP.
O pedido de prisão foi feito à Justiça pelo promotor do caso, Roberto Tardelli, um dia depois da veiculação das entrevistas concedidas por ela à revista Veja e ao programa Fantástico, da TV Globo. A reportagem exibida pela Globo na noite de domingo procurou mostrar o que seria uma "farsa" montada pela defesa de Suzane. A emissora exibiu trechos de gravações em que os advogados a orientavam a chorar.
No pedido, o promotor apresentou uma foto de Suzane ao lado de uma mulher que "supostamente", segundo escreve o juiz no decreto de prisão, seria sua avó. Com isso, ao decretar a prisão, o juiz entendeu que o irmão de Suzane, Andreas, estava "ao seu alcance" e que "tornaram-se públicas as divergências havidas entre Suzane e seu irmão, ora por desacordo na partilha de bens dos falecidos pais, vítimas".
E prosseguiu o juiz: "Mais do que garantir a aplicação da lei penal e proteger uma testemunha, tem-se a necessidade de garantir a perfeita ordem de julgamento da ré e dos demais acusados, uma vez que se nota a clara intenção de criar fatos e situações novas, modificando, indevidamente, o panorama processual", se referindo, neste trecho, às entrevistas.
A prisão
Suzane chegou ao 89° DP acompanhada por seu tutor, Denivaldo Barni Júnior, que também é um dos seus advogados. Barni Júnior disse que a entrevista ao Fantástico foi mal entendida e que mandou ela chorar "para que o irmão dela desse alguma coisa para ela", poque ela não teria moradia fixa nem alimentação garantida.
Do DP, Suzane foi levada para o DHPP, onde chegou às 20h42, usando um capuz azul escuro e uma roupa azul clara. Acompanhada apenas pelo delegado titular da 1ª Delegacia do DHPP, Marco Antonio Olivato, Suzane escondeu o rosto e evitou os jornalistas que a aguardavam na porta do prédio, no bairro da Luz, região central de São Paulo.
Em resposta às perguntas dos jornalistas sobre as entrevistas concedidas por Suzane que teriam motivado sua prisão, o delegado contou que ela tinha dificuldades de falar e que disse apenas que "tudo o que fez" foi devido a orientações dos advogados. "A única coisa que ela falou sobre essa entrevista, foi que ela foi orientada pelos advogados. Ela estava numa clínica, e no caminho de volta para casa, ficou sabendo da (decretação da) prisão".
Segundo o delegado do DHPP, Suzane deve deixar o prédio do departamento na manhã desta terça-feira. Ela será levada para algum CDP (centro de detenção provisória) destinado a mulheres.Barni Júnior, que foi visitar Suzane no DHPP, deixou o prédio pouco depois da meia-noite, e voltou a falar com jornalistas. Disse que ela estava triste e chorando e que havia tomado soro à tarde, em uma clínica, antes da decretação da prisão.
O caso
Suzane é ré confessa de planejar e participar do assassinato dos seus pais, Marísia e Manfred von Richthofen, em 31 de outubro de 2002, em São Paulo. Suzane, seu então namorado, Daniel Cravinhos, e o irmão dele, Cristian, irão a júri no diz 5 de junho por duplo homicídio triplamente qualificado (motivo torpe, meio cruel e impossibilidade de defesa das vítimas), além de fraude processual, por terem alterado a cena do crime para tentar simular latrocínio (roubo seguido de morte). A defesa de Suzane ainda tenta um julgamento separado.
A moça estava em liberdade desde 30 de junho de 2005, após o STJ (Superior Tribunal de Justiça) ter concedido habeas corpus, determinando que ela fosse solta. Os ministros da 6ª Turma do tribunal entenderam que não havia motivo para a manutenção da preventiva, que se sustentava em "clamor público". A preventiva deve ser decretada quando o réu, em liberdade, puder fugir, voltar a cometer o mesmo ou outro crime ou figurar como ameaça ao andamento do processo. No dia 8 de novembro, o STJ estendeu a liberdade aos irmãos Cravinhos, que estavam presos em Iperó (interior de SP).
Rosanne D'Agostino
Disponível em http://ultimainstancia.uol.com.br/noticia/26909.shtml Acessado em 11 de abril de 2006.

segunda-feira, abril 10, 2006

Busato: advogado que orienta cliente a mentir contraria ética


O presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil, Roberto Busato, afirmou hoje (10) que o comportamento dos advogados de Suzana Richthofen, exibido pela TV Globo - instruindo sua cliente a mentir durante uma entrevista ao programa Fantástico - “contraria os princípios éticos da advocacia”. Busato fez esta afirmação ao ser indagado por jornalistas sobre a suposta falta ética e as conseqüências disciplinares para os advogados de Suzana, acusada de planejar e participar do assassinato dos seus pais, Marísia e Manfredo von Richthofen. Ele observou que o Conselho Federal da OAB tem sido implacável em questões de falta ética, tendo punido ano passado 90% dos casos que lhe foram denunciados. Contudo, ressalvou que cabe à Seccional da entidade onde está inscrito o advogados faltosos aferir e punir a falta, cabendo ao Conselho Federal da OAB intervir apenas em grau de recurso.
“A advocacia é estribada em rígidas regras éticas e morais e não se pode admitir nenhum tipo de procedimento que não esteja em conformidade com aqueles dispostos na ética; o advogado deve ser absolutamente leal dentro de suas relações com o processo, com as partes e com seu cliente”, sustentou o presidente nacional da OAB, para fundamentar sua opinião de que as cenas mostradas pelo programa Fantástico “afrontam preceitos éticos que norteiam a advocacia”.
Busato destacou que, somente no ano passado, dos 500 casos envolvendo faltas cometidas por advogados no exercício da profissão, que chegaram à Segunda Câmara do Conselho Federal da OAB, o Código de Ética da Advocacia foi acionado em cerca de 90%, punindo os culpados. As punições, conforme o código, consistem em censuras, suspensões, multas ou até exclusão dos quadros da entidade, conforme a gradação da falta cometida.
A seguir, a íntegra da rápida entrevista concedida hoje pelo presidente nacional da OAB:P - Nesse caso dos advogados de Suzana Richthofen, se for apurada a responsabilidade dos advogados, a OAB pode cortar na própria carne?
R - Sim, evidentemente. A Ordem, dentro da minha gestão, já tem vários exemplos nesse sentido. Temos na ética o pressuposto para as prerrogativas da advocacia. Nós não podemos defender as prerrogativas da advocacia, que é um direito do cidadão, quando nós deixamos de lado a parte ética do profissional. Ética profissional e prerrogativa da advocacia são dois instrumentos que andam um ao lado do outro. Não há condições de a entidade exigir o cumprimento de suas atribuições de prerrogativas, tergiversando sobre conceitos de ética na advocacia. Esse exemplo a OAB deu recentemente num famoso caso de um advogado do Rio de Janeiro que orientava seu cliente, numa audiência, a faltar com a verdade.
P - Também no caso do Fernandinho Beira-Mar, houve dois advogados que tentaram subornar policiais federais e foram presos, não?
R - Nesse caso, que ocorreu no fim de 2004, eu frisei - e repito agora - que aqueles dois advogados não agiram como profissionais do Direito, mas sim como delinqüentes. Eles estavam despidos da condição de advogados e vestidos de delinqüentes, de bandidos mesmo, e deviam ser expulsos dos quadros da OAB. Por isso, disse que mereciam ser presos e processados pelas leis penais, como foram.
P - Há números recentes sobre punições de advogados na OAB?Como se tem comportado a categoria?
R - Somente no ano passado, chegaram à Segunda Câmara do Conselho Federal da OAB cerca de 800 processos por infrações ético-disciplinares, passíveis das penalidades do Estatuto da Advocacia e da OAB (Lei 8.906/94). Desse total, segundo temos notícias, cerca de 500 foram julgados e houve um índice de quase 90% de punições. Temos que observar que são processos que chegaram em grau de recurso, e isso dentro de uma categoria de mais de 500 mil advogados. Mas é um número expressivo de punições, mostrando que a entidade não tem tergiversado com a ética.
nota do moderador: falar mentira é anti-ético. Agora me digam: qual a novidade?
Notícia originalmente publicada no site Mundo Legal.

Consumidor é indenizado ao encontrar inseto dentro da manteiga

Uma cooperativa do ramo agropecuário, em Mato Grosso, foi condenada a pagar R$ 8 mil a um consumidor que encontrou um inseto dentro de um pote de manteiga de sabor alho. A quantia é referente à indenização por danos morais e deve sofrer correção monetária e juros moratórios. A decisão foi tomada pelo juiz titular do Juizado Especial Cível do Planalto, em Cuiabá, Yale Sabo Mendes.

O consumidor alegou que a manteiga foi adquirida para o preparo de "pão de alho" para sua família durante um churrasco. O inseto só foi percebido quando preparava a segunda rodada de pão e todos os presentes já haviam comido do produto. O adquirente reclamou ainda que a empresa não tomou nenhuma providência após a reclamação sob a alegação de que não poderia se expor pois iria fornecer leite para uma multinacional.

Segundo o juiz, a responsabilidade da empresa ficou provada no momento em que o supermercado que vendeu o produto recebeu a reclamação do consumidor e confirmou o ocorrido. "Provada a ofensa está demonstrado o dano moral", afirma Yale Mendes que acrescenta ainda que a responsabilidade pelos defeitos detectados nos produtos é exclusiva do produtor, não abarcando o estabelecimento de venda. "O Estatuto do Consumidor é expressamente claro quando afirma que o estabelecimento de venda é apenas intermediário na relação de compra e venda", pontua o magistrado.


Yale Mendes esclarece também que Inicialmente o consumidor havia pedido indenização no valor de R$ 12 mil, entretanto, o prejuízo moral deve ser ressarcido numa soma levando em consideração as posses do ofensor e situação pessoal do ofendido, a fim de não permitir ao consumidor o enriquecimento ilícito. (Fonte: TJ-MT)


Fonte: A Tribuna Mato Grosso
disponível em http://www.portaldoconsumidor.gov.br/noticia.asp?busca=sim&id=5571 acesso em 10 de abril de 2006

terça-feira, março 07, 2006

Souza Cruz é condenada em R$ 14 mi por propaganda subliminar


O juiz de Direito da 4ª Vara Cível de Brasília, Robson Barbosa de Azevedo, condenou a Souza Cruz S/A, a Standart Ogilvy & Mather Ltda. e a Conspiração Filmes e Entretenimento S/A ao pagamento de indenização por danos morais difusos no valor de R$ 14 milhões ao fundo de que trata o artigo 13 da Lei 7.347/85. As empresas também serão obrigadas a divulgar contrapropaganda elaborada pelo Ministério da Saúde.
Segundo a ação ajuizada pelo MP-DF (Ministério Público do Distrito Federal), as rés uniram-se para criar e veicular publicidade antijurídica de tabaco, usando mensagens subliminares e técnicas para atingir crianças e adolescentes - público que não reúne condições para julgar as coisas clara e sensatamente. A propaganda, levada ao ar em horários legalmente proibidos, foi suspensa conforme acordo judicial. Entretanto a contrapropaganda não foi obtida amigavelmente.
O laudo da publicidade elaborado pelo Instituto de Criminalística do DF analisou as imagens e a transcrição do áudio, revelando silhueta de pessoa com cigarro, a imagem de mulher fumando, pessoas fumando carteira de cigarros e as mensagens escritas na propaganda. E conclui: "As imagens revelam forte apelo e atratividade do público infanto-juvenil pela propaganda do cigarro, sem prejuízo de alcance do público em geral, mas o texto revela um contexto nítido de dedicação aos jovens".
A conclusão é corroborada por outro laudo, elaborado pelo IML do DF, que revela alucinação visual e visão periférica subliminarmente acrescida de um efeito osciloscópico, concluindo pela não opção de aceitação ou rejeição da mensagem ao ser passada para o consumidor.
Segundo o juiz, as rés não lograram êxito na demonstração de que não visavam ao atingimento do público infanto-juventil, limitando-se a explanar a respeito de técnicas de marketing quando se pretende vender produtos a jovens e/ou crianças. Além disso, o formato videoclipe utilizado está nitidamente voltado para essa faixa etária, e constata-se abusividade da propaganda na utilização de mensagens subliminares.
Na sentença, o juiz explica que se tratando de propaganda ilegal e abusiva, aplica-se o artigo 56, XII do Codecon, que revela ser cabível a imposição da contrapropaganda às custas das rés, devendo esta ser veiculada nas mesmas emissoras, freqüências e horários e pelo mesmo tempo em que o foi a publicidade original.
Levando-se em conta a dimensão dos direitos difusos atingidos, foi fixada indenização por danos morais em R$ 14 milhões, que será revertida em favor de um fundo gerido por um Conselho Federal ou por Conselhos Estaduais, de que participarão necessariamente o Ministério Público e representantes da comunidade, e cujos recursos são destinados à reconstituição dos bens lesados. Como se trata de uma decisão de primeira instância, dela cabe recurso.
Segunda-feira, 06 de março de 2006.
Disponível em: http://ultimainstancia.uol.com.br/noticias/ler_noticia.php?idNoticia=25776 Acessado em: 07 de março de 2006.

sexta-feira, fevereiro 24, 2006

Essa é digna de nota: O RG DE DEUS


O RG de Deus

Celio Levyman

Existe uma categoria de pessoas, os trekkies, fanáticos pela série televisiva “Star Trek” ou, como conhecida por aqui, “Jornada nas Estrelas”. A série teve várias continuações no vídeo, mas filmes de longa-metragem também.Um deles, a “Última Fronteira”, dirigido pelo próprio William Shattner, não é o melhor da série, mas contém algumas coisas interessantes.
Por motivos que não vem ao caso, a nave Enterprise vai procurar um planeta no centro da Galáxia, onde todas as civilizações conhecidas acreditavam ser o Éden, a morada de Deus. Em determinada cena, após um diálogo com o “Deus”, o famoso Capitão James T. Kirk questiona sua autoridade. O seu sempre companheiro, médico Dr. Mc Coy, intervém preocupadíssimo e pergunta a ele: ”Mas Jim, você vai pedir a identidade de Deus?”. Aos fãs da série ou que não viram o episódio no cinema, ele está à disposição nas lojas em DVD, em promoção...
Mas eis que a realidade superou a ficção: nesta semana, o portal da Internet BBC Brasil publicou uma matéria de sua correspondente em Roma intitulada “Italiano processa padre para que prove existência de Jesus”. Não, não é piada, nem está na seção de humor.
Resumidamente, um ex-agrônomo aposentado chamado Luigi Cascioli, que se autodefine como “ateu militante”, desafiou o pároco da cidadezinha italiana de Bagnorregio, perto de Roma, a provar na Justiça que Cristo existiu de verdade. A primeira audiência já ocorreu em 4 de Janeiro passado, com base em “abuso da credulidade popular” e “substituição de pessoa”.
O pároco da pequena cidade foi escolhido pelo litigante, após cinqüenta anos de sacerdócio, devido a suas pregações na Igreja local e pela legislação italiana, como representante do Vaticano e mesmo do papa, pois não se pode processar um chefe de estado estrangeiro. Dessa maneira, esse padre vai responder por todo o Vaticano a essa acusação. A propósito, a própria Santa Sé não se manifestou a respeito, até o momento.
Cascioli acusa o pároco e através dele toda a Igreja Católica de não ter provas sobre a existência de Cristo e de fazer com que as pessoas acreditem em algo que não existe.
Mais estupendo ainda é o fato do acusador acusar a Igreja de ter usado outra pessoa, que existiu de verdade, para construir a identidade de Jesus. Seria Giovanni de Gamala, filho de Judas, o Galileu, da casta dos asmoneus, descendente da estirpe de Davi.
Segundo o pároco acusado, Giovanni de Gamala é um desconhecido, e em troca relatou dados históricos que provariam a existência de Jesus, tais como os relatos de Adriano, Marco Aurélio e Tácito. Também coloca em dúvida a autoridade científica de seu acusador, que, segundo ele, não tem formação científica e nem conhece línguas antigas.
Luigi Cascioli alega que seu objetivo é “mostrar a verdade e destruir o cristianismo”, acreditando ganhar a causa, ao contrário do advogado do pároco, também entrevistado.
Em mais um dado curioso, para provar que Jesus não existiu, Luigi escreveu um livro, chamado “A Fábula de Cristo”. Nesse livro, segundo a BBC (não encontrei nem na Amazon.com ou em livrarias italianas on-line), ele se basearia na análise de textos antigos e da Bíblia, afirmando que possui provas de que a existência de Cristo provém de falsificação de documentos, que na realidade se referem a Giovanni di Gamala. A repercussão do caso pode ajudar a divulgar seu livro, admite, mas garante que esse não é seu objetivo: “... não posso deixar de vender meus livros só para que não digam que quero vendê-lo, defendeu-se”.
O autor da ação declara ainda que, caso a sentença não lhe seja satisfatória, irá recorrer e, caso também não dê certo, irá até o Tribunal Internacional de Haia.Curiosamente, até o momento não se observaram ligações entre esse livro e os sucessos de Dan Brown, como o “Código da Vinci” e “Anjos e Demônios”.
Esse caso especial merece algumas considerações. Em primeiro lugar, ninguém sabe onde estão os restos mortais de todos os citados no Velho Testamento, e das religiões monoteístas, sabidamente Maomé foi personagem histórico e possui seu túmulo, objeto de peregrinações dos muçulmanos.
Outra coisa a destacar é que o autor quer destruir o cristianismo, como diz, desmistificando a figura de Jesus, já que também seus restos mortais não existem, pois teria ressuscitado. Poderia alegar algo como “propaganda enganosa”, mas resolveu personificar em alguém supostamente real o papel de Cristo, o citado Giovanni di Gamela. Não consegui entender direito a lógica disso.
Outro ponto é que religiões são basicamente espirituais, e querer discuti-las na base da realidade factual, em tribunais ou fora dos mesmos, como em congressos científicos, é sair da metafísica para a arqueologia, sem escalas.
Sou judeu, mas considero-me um cético profissional. Mesmo assim, resolvi encarar esse caso como de particular curiosidade. Vejamos no Brasil algumas coisas.
Alguém sabe onde está o Bispo Sardinha? Foi mesmo devorado? Existiu? Não terá sido também um complô da Igreja, e nesse caso os padres Manoel da Nóbrega, Frei Caneca e tantos outros poderiam também entrar na categoria de “fake”. E se o Bispo Sardinha, voltando a ele, na verdade tivesse sido um espanhol perdido?
Alguns documentos encontrados, sei lá, na Chapada Diamantina, poderiam ser usados para provar esse tipo de coisa.
Na política, então, quem nos garante que existiu mesmo um poderoso General Golbery do Couto e Silva? Ou se Adhemar de Barros na verdade não seria João Pessoa, tido como morto, disfarçado?
Da mesma maneira, tal é a diferença, que o atual presidente Lula pode muito bem ser um Severino da Silva submetido a várias cirurgias plásticas, e o Luis Inácio original nunca ter existido, ou sumido quando preso no DOPS, já que sempre elogiou o tratamento dado a ele pelo ora Senador Romeu Tuma, então diretor do órgão.
E se aparecesse um Luigi Cascioli por aqui, e levasse, digamos, o Padre Julio Lancelotti, o Frei Betto e Dom Bertrand de Orleans e Bragança para as barras da Justiça? Essa admitiria o processo? Provavelmente não, pois apesar de constitucionalmente sermos um Estado laico, sem religião oficial e com separação Estado-Igreja, legado da Revolução Francesa, os tribunais exibem uma cruz, motivo de recente controvérsia.
Também penso em Israel, em algum radical judeu levando às cortes de lá algo semelhante, propondo a prova da existência de Moisés e das tábuas da lei, de Noé e da arca ou mesmo quem foi realmente a mulher de Adão, Eva ou Lilith!
Caso as baterias fossem apontadas para os neopentecostais, as coisas provavelmente se tornariam ainda mais interessantes, pois possuem todo o poder do uso da televisão e outros meios de comunicação de massa mais consistentes que a Igreja Católica. Na Rússia, algum comunista da velha guarda poderia processar o patriarca com os mesmos argumentos.
Talvez apenas no Islã esse problema não exista: embora eles sejam por definição submissos a Alá, sem livre arbítrio segundo o Alcorão, de Maomé até os sultões, todos sabem onde eles estão – a exceção está em quem quer ser o novo Califa, como Bin Laden, que ninguém acha, nem com a tecnologia da CIA e o conhecimento da fronteira Afeganistão-Paquistão que os soldados desse último país detém.
Êta mundinho complicado! Não queria estar na pele do coitado do pároco, que já deve estar entrado em anos, muito menos dos juízes italianos, pois o tal do Cascioli parece um fundamentalista dos mais ferrenhos.
Só falta aparecer Deus em pessoa e dizer para o primeiro PM que Lhe pedir a identidade: ”Sabe com Quem estás falando?”, com aquela voz modulada de cinema. Aí sim teríamos ao menos a prova de que Deus é brasileiro.
Quarta-feira, 8 de fevereiro de 2006
Celio Levyman, 47 anos, é formado em medicina pela Faculdade de Ciências Médicas de Santos. É mestre em Neurologia pela Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo. Foi conselheiro e diretor do Departamento Jurídico do Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo.
LEVYMAN, Celio. O RG de Deus. Última Instância. 8 de fevereiro de 2006. Disponível em: http://ultimainstancia.uol.com.br/artigos/ler_noticia.php?idNoticia=24853. Acesso em: 24 de fevereiro de 2006.